Os primeiros passos, o primeiro fanzine Clube do Mangá e as aulas

Consta no primeiro jornal editado pela Abrademi (Ano I – nº 1/84 – provavelmente de abril de 1984):

“Objetivos da Abrademi – A Abrademi visa promover intercâmbio entre os desenhistas de HQ e ilustração, promovendo exposições, difundindo técnicas, a arte e a linguagem do mangá, organizando um acervo, e valorizando também os desenhistas amadores que se dedicam à HQ por hobby. A entidade define o termo “mangá”, no seu sentido original, que significa histórias em quadrinhos e desenho animado.”
Esses realmente eram e sempre foram os objetivos da Abrademi. Mas como viabilizá-la financeiramente sem depender de ninguém uma entidade com tais propósitos? A entidade era formada por jovens estudantes em sua maioria e, diferentemente de um grupo escoteiro, nenhum pai veio acompanhá-los, talvez temendo que essa atividade atrapalhasse seu filho nos estudos.
A primeira edição do jornal “Informativo Abrademi” saiu totalmente de graça, pois Noriyuki Sato tinha uma conta a receber de uma. As reuniões mensais da entidade eram realizadas no Bunkyo, sem pagar aluguel, porém, com o inconveniente de serem marcadas com poucos dias de antecedência.

No dia 20 de maio, domingo, no 1º andar do Bunkyo, foi realizado o primeiro curso básico de histórias em quadrinhos (conforme grafia utilizada na Época). Razoavelmente divulgado nos jornais nikkeis, dele participaram 40 alunos. Foi divulgada na ocasião, a intenção da Abrademi de editar uma revista de pequena tiragem denominada “Quadrinhos Especiais”, para ser lançada em setembro de 1984. Haveria reuniões para dar acompanhamento passo a passo dos trabalhos dos que se interessassem em participar da revista.

Essa primeira aula foi gratuita, mas resolveu-se passar uma lista de “colaboração” para constituir um fundo para a Abrademi. Foi muita ingenuidade pedir dinheiro para crianças e jovens estudantes, ainda de surpresa. Os diretores ajudaram um pouco de cada e a sra. Mitsuko Kawai, que tinha mais idade, ajudou com o maior valor. Enfim, era realmente pouco, mas ajudou a pagar as despesas de correio e xerox do começo da entidade.

Em junho de 1984, ainda aproveitando o crédito do Noriyuki numa gráfica, foi lançado o segundo número do “Informativo Abrademi”, onde foi anunciado o segundo Curso Básico de Histórias em Quadrinhos para o dia 1º de julho de 1984, domingo, no Bunkyo. Nessa aula arriscou-se cobrar uma taxa de Cr$ 4.000,00, incluindo apostila. Os professores foram Roberto Kussumoto, Sumire Misawa e Francisco Noriyuki Sato, e os orientadores foram Ataíde Braz e Roberto Higa. Para se ter uma ideia, Cr$ 4.000,00 equivale, em janeiro de 2020, a R$ 44,25, atualizando o valor pelo IGP-DI.

Nesse ano de 1984, o grande fato para os apreciadores de mangá foi a vinda do desenhista Osamu Tezuka ao Brasil, o que ocorreria no dia 29 de setembro. Convidado pela Fundação Japão, o grande mestre japonês participaria de debates com profissionais do setor e abriria uma exposição de seus trabalhos no MASP – Museu de Arte de São Paulo. Sendo a única entidade representativa de mangá no Brasil, a Abrademi foi convidada a participar de algumas atividades, sendo decidida a montagem da exposição de trabalhos da Abrademi ao lado dos de Tezuka. Essa exposição foi chamada de IV Exposição de Quadrinhos e Ilustrações, uma vez que parte dela era formada pelos trabalhos reunidos um ano antes para a exposição que acabara cancelada no Bunkyo.

Todos esses acontecimentos recentes eram ótimos, mas o problema estava em como organizar essa exposição no porte que precisaria ter, sem ter uma equipe profissional para isso. Boa parte da exposição da Abrademi foi formada por histórias em quadrinhos produzidas no Brasil, por artistas como Jayme Cortez, Julio Shimamoto, Eduardo Vetillo, Franco de Rosa, Vilachã e Rodval Matias (Esses trabalhos foram reunidos pelo vice-presidente, Roberto Kussumoto, junto às editoras e outras exposições de HQ).

A ideia foi apresentar trabalhos de HQ de bom nível para ficar como uma mostra paralela à exposição de Tezuka. Assim, o mestre poderia ver o que se produz (ou produziu) no Brasil em termos de quadrinhos. A parte dos mangás produzidos no Brasil cabia apenas aos amadores (excetuando Cláudio Seto e alguns poucos que tiraram trabalhos antigos das gavetas) que eram poucos na Época. Assim, a aposta estava nos trabalhos gerados para a revista “Quadrinhos Especiais”. Como o próprio nome diz, a proposta não se restringia apenas aos trabalhos no estilo mangá, sendo aceito qualquer ideia que fosse alternativa em relação ao que era publicado no Brasil.

Dentre os participantes da 1ª aula da Abrademi, nove roteiros de HQ foram apreciados e foram acompanhados passo a passo pelos desenhistas da entidade. Consta que, em julho de 84, estavam em andamento as HQs de Jorge Yazawa, Cláudio Nikaitow, Cléa Mayumi, Samuel Kobayashi, Kiyoshi Kazawa, Ricardo Komatsu, Márcia Kato e Neide Nakazato.
Para viabilizar a Abrademi, resolveu-se cobrar uma pequena mensalidade dos associados. O valor era pequeno para caber no bolso de qualquer estudante. Foi estabelecido o valor mensal de Cr$ 2.500,00, e o associado recebia pelo correio o Informativo e recebia desconto nas aulas.

Ainda para ser entregue de graça aos associados, foi feito um convênio com o volumoso fanzine Quadrix, de Worney Almeida de Souza da AQC-SP, que era bimestral. Os exemplares da Abrademi recebiam uma capa própria e mais três páginas que eram acrescentadas à edição original. A primeira edição de Quadrix Edição Abrademi saiu em agosto de 1984 sendo distribuído pelo correio aos associados. Consta que 20 pessoas se associaram no mês de julho.

Nessa edição de Quadrix é anunciado o lançamento do fanzine Clube do Mangá pela Abrademi para ser reproduzido em xerox e distribuído só para os associados. A inspiração veio do fanzine “Bokuju Itteki”, que o desenhista Shotaro Ishimori lançou no Japão antes de se tornar conhecido. Era um fanzine de exemplar único, no original, que continha trabalhos de seus associados e circulava de mão em mão entre eles. Cada um que lia escrevia algum comentário no trabalho de seus colegas. Assim, todos os participantes foram se aprimorando com base na observação de seus colegas.

No Clube do Mangá da Abrademi, cada um recebia seu exemplar e constavam nos trabalhos os dados como nome e endereço do autor para que pudessem se corresponder e trocar ideias. A primeira edição do Clube do Mangá saiu no dia 1º de novembro de 1984, sendo o primeiro fanzine de mangá feito no Brasil.
Mas antes, vamos falar de como foi a visita do Deus do Mangá: Osamu Tezuka!

(continua…)

Ao utilizar este texto, favor citar a fonte:
www.abrademi.com – autor: Francisco Noriyuki Sato, presidente da Abrademi de 1984 a 1986 e de 1988 a 1996.