Os primeiros mangás brasileiros

Numa época em que o mangá era praticamente desconhecido no ocidente, jovens desenhistas nisseis conquistavam espaço no pequeno mercado editorial brasileiro, demonstrando claramente a influência recebida do mangá.

Cláudio Seto com sua criação: Maria Erótica

Um desses nisseis é Cláudio Alberto Chuji Seto Takeguma, ou Cláudio Seto, um dos mais ativos, nasceu em 1944 e iniciou sua carreira no final da década de 60, ainda morando na cidade paulista de Guaiçara, onde se elegeu vereador graças a sua liderança na associação nipo-brasileira local.

O estilo de Seto, embora variado, é inconfundível. Ele tinha uma forte marca ou imagem, facilmente reconhecível. Algumas Histórias receberam forte influência de Shirato Sampei, prestigiado autor de “A Lenda do Kamui”, com quem se correspondia, outras de Monkey Punch, outro desenhista japonês, que ficou conhecido por “Lupin Sansei”, mas seus trabalhos também demonstravam muita pesquisa e técnicas inovadoras feitas em laboratório, criando efeitos psicológicos admiráveis.

Na Editora Edrel, onde iniciou, Seto produziu de tudo: infantis como “Ninja” e “Flavo”, épicos como “O Samurai”, adultos como “Maria Erótica”, além de anti-heróis como “Mata-Sete”, histórias psicológicas e até fotonovelas.
Com o fechamento da Edrel no meio da década de 70, Seto mudou-se para Curitiba, onde, em 79, conseguiu convencer cafeicultores proprietários de uma editora, a Grafipar, a lançarem quadrinhos. A Grafipar foi o berço de muitos dos desenhistas atuais. Como editor, Seto cuidava de tudo e ainda desenhava com muita velocidade, lançando principalmente quadrinhos eróticos, aproveitando a pequena abertura dada pela censura durante o período militar.

Dividindo seu tempo entre ilustração de jornal e a direção da gibiteca de Curitiba, Seto foi um artista plástico respeitado no Paraná. Seu repentino e precoce falecimento, ocorrido em 15 de novembro de 2008, assustou a todos os seus amigos. O seu último trabalho na área de mangá foi “A Filosofia do Samurai na Administração Japonesa”, com roteiro de Noriyuki Sato e participação de Roberto Kussumoto. Cláudio Seto é homenageado todos os anos pela comunidade de Curitiba, que realiza o festival “Seto Matsuri”

Paulo Fukue e Cláudio Seto na MangáCon em São Paulo

Da mesma geração de Seto, Fernando Ikoma foi outra grande revelação da época. Natural de Martinópolis, em 1968 ingressou na área de quadrinhos, publicando na Edrel, e montando seu estúdio em São Paulo. Segundo Kimio Shimizu, que trabalhou com ele nessa época na Edrel, Ikoma era o artista completo, pois escrevia, desenhava, letreirava e artefinalizava sozinho mais de 120 páginas por mês. Ikoma escrevia tramas ocidentais, mas diferente dos super-heróis americanos. Seus personagens possuíam características psicológicas próprias, como “Maria Esperançosa”, que sempre procurou um marido, e o herói “Fikom”, que aparecia no sonho de um anti-herói .

Nos últimos anos da Edrel, Ikoma mudou-se para Curitiba e lá se revelou um grande artista plástico, com uma invejável programação de exposições individuais, mas seus traços com visível influência do mangá nunca mais foram vistos. Com a retirada de Ikoma, Kimio Shimizu mudou-se para Guaiçara, onde foi trabalhar na equipe de Cláudio Seto. Com o fechamento da Edrel, Kimio foi para Editora Abril, mais tarde colaborou na Grafipar, e hoje dirige uma editora própria.

Trajetória semelhante tiveram os irmãos Paulo e Roberto Fukue. Depois da Edrel foram para Abril e até hoje continuam na área de desenho. Roberto Fukue foi o desenhista de “Senninha” lançada pela Abril e do Sítio do Pica-Pau Amarelo, da Globo.

Minami Keizi
Tupanzinho, de Minami Keizi

Entre outros nisseis que chegaram a desenhar no estilo mangá está Minami Keizi, que ficou conhecido pelo seu personagem “Tupanzinho”. Ao Minami pode ser atribuído um grande feito, que foi o de efetivamente trabalhou para a publicação dos primeiros mangás desenhados no Brasil, pois ele era o dono da Editora Edrel quando tudo começou. Desentendeu-se com outros sócios da editora e acabou se afastando, deixando Paulo Fukue em seu lugar, mas a empresa já estava lançando muitos mangás nessa época. Depois se retirou da área de mangá, mas continuou como próspero autor de livros. Minami Keizi recebeu uma homenagem do HQ Mix em 2008, e faleceu pouco tempo depois. (A Editora Criativo publicou, em 2021, um livro sobre Minami Keizi e as origens do mangá no Brasil).

Roberto Kussumoto em início de carreira

Na década de 70, as Editoras Bloch, Vecchi, Noblet, Ebal, Ondas e Grafipar passaram a publicar o quadrinho nacional, mas poucos nikkeis se despontaram e esses não desenhavam no estilo mangá, com exceção dos veteranos Julio Shimamoto, autor da revista Kiai, e Cláudio Seto, que relançou “Maria Erótica” e outros personagens no estilo mangá. Desenhistas nisseis que surgiram na época, tiveram influência do mangá, mas procuraram seguir um traço mais americano, como foi o caso de Roberto Kussumoto e Paulo Yokota.

Dez anos mais tarde, uma nova onda do quadrinho nacional deu oportunidade a editoras como a Maciota e a Nova Sampa, que por sua vez deram chance a desenhistas novos como Luri Maeda, Julia Takeda e Neide Nakasato, que receberam influência do mangá feminino. Todas as três participaram do início da Abrademi.

(continua…)

Autor: Francisco Noriyuki Sato, texto publicado em 17/05/1994 pelo Diário Nippak e atualizado posteriormente para este site.

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www.abrademi.com – autor: Francisco Noriyuki Sato, presidente da Abrademi de 1984 a 1986 e de 1988 a 1996.

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