A princesa do mangá

Rumiko Takahashi – A desenhista mais querida do Japão.

Quando Rumiko Takahashi tinha 17 anos, seu interesse por quadrinhos era limitado à leitura e ocasionalmente a copiar um personagem ou outro nas margens das revistas. Dezoito anos depois com o estrondoso sucesso de histórias em quadrinhos como “Urussei Yatsurá” (cuja série em desenho animado foi lançado no Brasil pela Everest Vídeo como “A Turma do Barulho”), “Maison Ikkoku” e “Ranma ½” (ambas inéditas no Brasil), ela é sem dúvida a desenhista de quadrinho preferida dos japoneses.

Uma esbelta, atraente jovem com uma encantadora personalidade (e multimilionária, com aproximadamente 50 milhões de cópias impressas de seus trabalhos), ela parece um pouco incomodada com seu inesperado sucesso. Ela é famosa no Japão por sua aversão a entrevistas e por entregar seus trabalhos sempre no prazo, num campo onde geralmente os editores têm que vigiar os artistas ou literalmente fazer plantão em suas portas para poder receber o trabalho acabado em tempo. A respeito dela Frederick Schodt, o conhecido autor de “Manga! Manga! The World os Japanese Comics” (Kodansha, 1986), disse: “Eu nunca escutei qualquer coisa negativa sobre ela. De fato, todos com quem eu falei e que a conheceram diziam ter ficado encantados com ela”. Talento, sucesso, dinheiro e personalidade. Aos 35 anos Rumiko Takahashi parece ter tudo na vida. Mas como foi que ela chegou no topo?

Dormir no armário

Takahashi nasceu em Niigata, em 1957. Depois de passar pelo difícil vestibular da Universidade Feminina do Japão, ela se mudou para um pequeno apartamento para estudantes em Nakano, um bairro de Tókio, onde ela morou por alguns anos. Na mesma época em que ela entrou na faculdade, ela ingressou na famosa escola de Kazuo Koike para desenhista de manga, a “Gekiga Sonjuku” (no Brasil, Kazuo Koike é conhecido como o autor de “Lobo Solitário”, publicado pela Cedibra e republicado pela Nova Sampa).

Como Takahashi tinha praticado pouco desenho antes de entrar na “Gekiga Sonjuku”, o trabalho para ela foi mais extensivo. Sob a orientação direta de Koike, ela desenhou centenas de páginas durante os dois anos que se seguiram e gradualmente ela foi percebendo que tinha encontrado seu lugar no mundo. A principal lição de Koike, passada a seus alunos desde o primeiro dia do curso, era que “as histórias em quadrinhos são mantidas pelos personagens… se um personagem é bem ‘bolado’, a história vira um sucesso”.

Com isso em mente, Takahashi começou a construir cuidadosamente o elenco de “Urussei Yatsurá”, enquanto também desenvolvia outras histórias curtas. Por volta de 1978 seu talento já era óbvio. “Todos nós sabíamos que ela se tornaria uma desenhista profissional”, disse Reiko Hikawa, que freqüentava o mesmo clube de quadrinhos que Takahashi quando eram estudantes (Hikawa hoje é escritora de ficção no Japão).”Era só uma questão de tempo. Sua arte e suas histórias, bem, elas tinham algo de especial”. A cúpula da Editora Shogakukan também tinha chegado à mesma conclusão e naquele ano Takahashi foi indicada para o prêmio de “Artista Revelação do Ano”.

“Urussei Yatsurá” apareceu pela primeira vez em setembro de 1978 na revista de Manga semanal para rapazes “Shõnen Sunday”. A publicação dos capítulos seguintes foi irregular e somente em meados de 79 a seqüência foi normalizada. A vida para Takahashi era difícil naquela época.

“Meus pais me disseram: ‘Não faça isso; você não vai ser capaz de se sustentar. Arranje um emprego normal!’ E para ser sincera, eu mesma não tinha certeza se eu conseguiria levar meu trabalho adiante. De fato, eu estava morando em um quarto de menos de 14 metros quadrados com minhas assistentes. Era tão apertado que eu tinha que dormir no armário embutido!”.

Um desenhista iniciante consegue ganhar uns US$ 60 mil a US$ 80 mil por ano, mas boa parte dessa importância não fica com o desenhista: vai para assistentes na forma de salários. Os jovens se motivam com os exemplos de sucesso do falecido Osamu Tezuka, de Akira Toriyama (criador de “Dragon Ball”) e de outros milionários do Mangá, mas ainda assim o risco de não chegar lá é grande e uma única falha pode ser fatal e definitiva, principalmente no sistema japonês de trabalho.

Uma vez que “Urussei Yatsurá” começou a decolar, o destino de Takahashi começou a mudar drasticamente. Em outubro de 1981 “Urussei Yatsurá” foi transformada em uma série de desenho animado para a TV, o que é um sinal certo de sucesso e um significante acréscimo a conta bancária. Mas Takahashi diz que nada mudou: “Vivo basicamente do mesmo jeito que eu vivia antes. Quando eu sento à prancheta, tudo o que consigo ver é uma folha branca de papel – igualmente branca depois de todos esses anos. De qualquer modo (ela ri), mesmo sendo muito bem paga hoje, eu não tenho tempo sequer para gastar dinheiro!”.

O dinheiro não é tão importante para Takahashi como é para alguns de seus colegas. Até a responsabilidade de produzir centenas de páginas regularmente não tirou dela a razão essencial dela ter se tornado antes de mais nada uma artista. “Em meu caso, estou feliz por poder ter esta oportunidade de escrever tanto. Existem tantas coisas que eu queria passar para o papel, mais do que seria possível escrever em uma vida inteira… Eu acho que sou feliz apenas por poder gastar o meu tempo fazendo algo que gosto”.

Ao menos ela pode ter conforto fazendo o que quer. Desde 1984 Takahashi está entre as 3 artistas de quadrinhos mais bem pagas do Japão, com uma renda anual de aproximadamente 3 milhões de dólares.

Sucessos milionários

A popularidade dos desenhos animados de Rumiko Takahashi podem ser vistos em números surpreendentes. A versão animada de “Urussei Yatsurá” foi exibida no Japão de outubro de 81 a março de 86, em 216 episódios. “Urussei Yatsurá” ainda gerou 5 desenhos animados de longa-metragem e 3 vídeos originais. No seu pico, o fã-clube contava com 250 mil membros. Uma edição limitada de um conjunto de laserdiscs com a série completa da TV e os longas custando US$ 2.600,00 esgotada em poucas semanas. “Maison Ikkoku” foi exibida na TV japonesa de março de 86 a março de 88 e ganhou uma versão em desenho animado de longa-metragem e um filme “live-action” que foi aclamada pela crítica. Algumas de suas histórias curtas, publicadas sob o título geral de “Rumic World” ganharam versões em OAV (Original Animated Vídeo). Uma dessas histórias é “Warau Hyoteki” (“O Alvo que Ri”, ainda não exibida no Brasil), no gênero terror. “Ranma ½” começou a ser exibida na TV em Abril de 89 e parece destinada a uma longa permanência na telinha. Em termos de vendagem das histórias em quadrinhos, “Maison Ikkoku”, ultrapassou “Urussei Yatsurá” em 80% por volume. “Ranma ½” por sua vez ultrapassou o volume de vendas obtido por “Maison Ikkoku” logo nos primeiros meses após o lançamento.

Apesar de dedicar a maior parte de suas histórias a situações cômicas, Takahashi produziu histórias de terror (6 histórias em “Rumic World” são de terror). Numa delas, “Ningyõ Mori” (“Floresta das Sereias”), ela inova ao fugir do “clichê” que apresenta as sereias como belas, dóceis e encantadoras.

Como praticamente fazem todos os artistas que produzem Manga continuamente e em grande quantidade, Takahashi também trabalha com assistentes. “Estou com 4 atualmente. Elas fazem os fundos, as margens doa quadrinhos, colocação de retículas, esse tipo de coisa. Eu ainda tenho que fazer o roteiro, os “lay-outs”, o desenho a lápis e a nankin de todos os personagens e as capas”. Todas as assistentes de Takahashi são mulheres.

Takahashi é uma das poucas mulheres que desenha quadrinhos para rapazes. Apesar de seus rascunhos revelarem uma forte influência do Mangá feminino, ela tem um verdadeiro talento para fazer histórias que agradem tanto a eles como a elas.

Em geral, o trabalho de Takahashi tem sido extremamente original. A premissa da qual parte a história de “Ranma ½” é um bom exemplo disso. Ela dá um número ilimitado de possibilidades de situações interessantes que ainda podem ser exploradas por muitos autores.

Takahashi mostrou perplexidade ao saber que ela tem muitos fãs nos Estados Unidos (muito deles lêem pouco ou nada em japonês). “Se isso for verdade, eu fico realmente contente com isso. Mas eu confesso estar admirada que meu trabalho tenha sido bem recebido. Eu sempre coloquei muitas referências do estilo de vida e de sentimentos japoneses (nas histórias)… Eu fico imaginado como os leitores estrangeiros conseguem entender tudo isso?”.

Talvez a principal razão disso seja que uma boa história tem os mesmos elementos em qualquer idioma. Boas histórias tratam das emoções das pessoas, qualquer que seja a civilização a qual pertençam. Indagada sobre a possibilidade de seus trabalhos gerarem algum efeito sobre a cultura japonesa, Takahashi disse: “Acho que meus quadrinhos são feitos apenas para as pessoas lerem e se divertirem. Para mim, isso é o suficiente. Creio que há algo mais profundo oculto em meus trabalhos – algumas vezes inconscientemente -  mas eu não deixaria de desenhar para fazer literatura. Uma idéia que tento passar através de meus trabalhos é a de que as pessoas deviam ser mais gentis umas com as outras. Então, se as pessoas que lêem meus quadrinhos começarem a sentir que seus amigos são importantes, que elas não deveriam maltratar ninguém… se elas aprenderem isso de meus trabalhos, está ótimo. Isso realmente me faria feliz. Teria valido a pena todo o trabalho e sacrifício que tive na vida.

Escritor por:

Toren Smith – tradutor e dono da Studio Proteus, empresa que atua com Mangá e  Animê nos Estado Unidos.

Cristiane A. Sato – é tradutora e membro da ABRADEMI – Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações.

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